terça-feira, 3 de maio de 2011

Conversas de elevador

Sempre achei constrangedor pegar elevadores cheios. Isso porque as conversas de elevador, de um modo estranho e inespecífico, revelam como somos superficiais e fragmentados. É impossível criar laços nos 5 minutos de subida (ou decida). O máximo que se pode obter desse decurso de tempo, onde não importa sua pressa, é um conforto momentâneo para o isolamento absoluto e informações sobre o clima. Contudo, desde a inclusão dos celulares em nossa relação cotidiana - com destaque ao momento em que o sinal deixou de ser avesso às frias paredes de alumínio gauvanizado dos elevadores 0 as interações de ascendência e descendência ficaram mais impessoais. Hoje, por exemplo, tive o privilégio de pegar um elevador lotado na UFRJ quando ia para a aula. Algumas pessoas visivelmente dormiam em pé, e eu seria uma delas se uma conversa não tivesse prendido minha atenção. Ao meu lado havia uma senhorinha que conversava com a mãe ao telefone, sobre uma criança. Segue a reprodução fiel das palavras que meus ouvidos viciados formaram do diálogo surreal. Lembrando que só ouvi um lado da conversa:
"Não mãe, ela não tem nenhum problema psiquiátrico... podem fazer os exames que forem não encontrarão nada... o problema dela não é psiquiátrico."
TELEFONE
"Mãe?"
TELEFONE
"Mãe?"
TELEFONE
"Mãe, Dona Maria Cecília, estou em um elevador a senhora vai me deixar falar?"
TELEFONE
"Há leis hoje que não permite coisas assim, não adianta...'
TELEFONE
"Ela está sofrendo uma obsessão, todo mundo sabe, todo mundo vê isso."
TELEFONE
"Exatamente isso que Ele quer, Ele quer fazer a festa, é só a gente descuidar. Isso é obra do Inimigo e Ele quer exatamente isso, que enfurnemos ela num hospício aí mesmo é que Ele vai fazer a festa. É só o que Ele tá esperando, que a gente comece um tratamento qualquer."
TELEFONE
"Não podemos deixar isso, não vou permitir."
TELEFONE
"Estou trabalhando nisso. Vou entrar com um pedido judicial para que o NOME INCOMPREENSÍVEL fique com a guarda dela por enquanto até que isso...
*PIN* 6º Andar *SLOCHT* porta abrindo
"Dá licença?!"
E fui retirada da conversa antes de saber o que seria da menina, do espirito obsessor, do Inimigo, do Ele, do NOME INCOMPREENSÍVEL, da justiça e do hospício... fiquei sem saber onde terminaria aquela toca de coelho do absurdo. Saí do elevador, no 7º, agradeci à ascensorista com a nítida sensação de que esta mulher já ouviu coisas que colocariam qualquer replicante de cabelo em pé e decidi que nunca mais falarei ao telefone no elevador. Dessa experiencia tirei algumas lições: não se pode, por lei, colocar pessoas possuídas pelo Inimigo em hospícios, afinal é exatamente o que Ele quer; não se deve permitir que se dê a guarda de alguém para uma pessoa que acredita fielmente que um problema, se é que ele existe, é fundamentado no demônio.